Mas não é possível!
Olha quem ela é,
a filha da pulquerinha da mercearia,
que é feiticeira da dona Mafalda há tanto tempo que não a via!
Que é feiticeira!
Olha cá vou andando, senhor Nicolau,
uns dias melhor,
outros pior,
é conforme o tempo.
Tchá,
tchá,
tchá,
tchá,
mau caráter que a senhora tem!
Tá,
tá,
vos acomigo ou será que agora está-me a engaguejar?
Ah,
não,
me false,
senhor Nicolau,
imagino que fiquei assim
depois que apanhei uma foa,
uma foa,
uma foa,
uma forte constipação!
Ah,
mas não admira que o tempo que tens estado se calhar apanhou-a no cu,
apanhou-a no cu,
apanhou-a no cobertor elétrico,
não foi?
Não,
não,
que eu não se disse,
senhor Nicolau,
imagino que apanhei na co...
na co...
Ai, na co...
consulta da caixa!
Mas o senhor está cada vez mais gago?
Ah,
não sabia,
é desculpe,
é desculpe,
é desculpe,
é desculpe,
colarinhos que me apertam!
Mas a senhora anda de luto! Quem é que se...
quem é que se...
quem é que se...
E não!
Ah, ai, então não sabia!
Não, senhora!
Ai,
faz hoje um mês que se...
que se foi o meu marido, o meu querido Januário!
Ah, coitadinha, então o Januário deixou-se...
deixou-se...
deixou-se fumada, não é?
Ah, ele já não...
ele já não...
fumava há muito,
desde que o meu compadre foi viver lá para casa.
Ah,
não diga mais,
já estou a ver,
então o seu compadre...
o seu compadre...
fumava pelos dois!
Mas respeito,
senhor Nicolau,
sabe que foi sempre a senhora decente?
Ah,
pois foi,
o senhor de fundo estava sempre a
dizer que a senhora era uma grande...
uma grande...
uma grande puritana! Puritana!
Bebê,
é por isso que nunca mais posso esquecer o meu...
o meu homem!
Ah,
deixa,
deixa,
me dá-lhe uma falda,
a senhora está muito nova e qualquer dia...
Dá-lhe, dá-lhe o coração a outro homem!
Quem?
Eu?
Não, eu! Xissa!
Olha, eu nunca mais o...
o coração a outro homem!
Olha, o que a senhora...
é uma vaga impressão sua!
A senhora está cheia de...
de...
de...
de...
de ternura para dar e também...
Ah,
pois! E depois ele fazia-me coisas de tão boas!
Eu sei,
eu sei que ele fazia todos os dias uma...
uma...
uma...
uma porção de coisas agradáveis e que também lhe dava uma boa...
uma boa...
uma boa forma de vida!
É por isso que nunca mais me passa esta tristeza!
Ora,
ora,
quer um conselho,
dona,
me fala do que?
A senhora precisa fugir a essa melancolia para esquecer!
E como, senhor Nicolau?
Diga-me lá, como é que se faz?
Como é que se faz?
Olha,
se dessa idade não sabes,
nunca mais aprendes!
Não, não, não! Como é que se...
como é que se
foge a essa melancolia?
É fácil,
dona Mafalda,
a senhora mostra-me a sua...
a sua...
a sua...
a sua...
a sua...
conta bancária e se ela for boa eu vou olhar com a...
eu vou olhar...
eu vou olhar...
eu vou olhar a conta e que é o
suficiente para a gente gogozar a vida!
Mas... mas...
mas respeite pelo mesmo fundo, senhor Nicolau!
Ah,
deixa-lhe lá isso,
dona Mafalda,
quero um conselho!
Come e beba, dê umas folgas à sua vida
e deite o resto para trás das costas,
que também é bom!
E ele?
E ele quem?
O Januário!
O Januário?
Lá em cima!
Lá em cima aonde?
Está no céu!
Então deixe-lhe lá estar, ele que se for!
Ele que se for,
nosso amigo,
há de esquecer e perdoar!