Um Mergulhador,
que tem como epígrafe
um verso que eu acho maravilhoso,
do poeta Leopardi,
um verso desse maravilhoso poema também,
que se chamou Infinito.
Il naufragar me dolce in questo mare.
Eu gostaria de mencionar aqui um detalhe
que para mim é muito importante,
é que esse poema foi traduzido,
maravilhosamente bem traduzido para o italiano,
por esse poeta que é também um poeta da altura de Leopardi,
que se chama Giuseppe Ungaretti.
Como dentro do mar liberre-nos
Os polvos no líquido luar tateiam a coisa vir
Assim dentro do ar meus lentos dedos loucos
Passeiam no teu corpo
a te buscar-te a ti.
És a princípio doce plasma submarino
Flutuando ao sabor de súbitas correntes
Frias e quentes,
substância estranha e íntima De teore real e tato transparente.
Depois teu seio é a infância Duna mansa cheia de alísios.
O arco espectral do ístimo,
onde,
Anudez vestida só de lua branca,
Eu ia mergulhar minha face já triste.
Nele só terro a mão como a cravei criança
Noutro seio de que me lembro
também pleno.
Mas não sei,
o ímpeto deste é doido e espanta.
O outro me dava vida,
este me mete medo.
Toco uma a uma as doces glândulas em feixes
Com a sensação que tinha ao mergulhar os dedos
Na massa cintilante e convulsa de peixes
Retiradas ao mar nas grandes redes pensas.
Que põe-me a cismar?
Mulher, como te expandes, que imensa és tu,
Maior que o mar, maior que a infância,
De coordenadas tais e horizontes tão grandes Que assim,
imersa em amor,
és uma Atlântida.
Vem minha vontade de matar em ti toda a poesia,
Tenho-te em garra,
olhas-me apenas
E ouço no tato acelerar-se meu sangue
Na ritmia que faz meu corpo vil querer teu corpo moço
E te amo, e te amo, e te amo, e te amo
Como o bicho feroz é uma mordeira fêmea,
Como o mar é o penhasco onde se atira
o insano E onde abramir-se a placa
e a que retorna sempre.
Tenho-te e dou-me a ti, válido e indissolúvel,
Buscando a cada vez,
entre tudo que enerva,
O imo do teu ser,
o vórtice absoluto Onde possa colher a grande flor da treva.
Amo-te os longos pés,
a infantis e lentos na tua criação,
Amo-te as hastes tenras que somem em
suaves espirais adolescentes infinitas
De toque exato e frêmito.
Amo-te os braços juvenis que abraçam
confiantes de meu criminoso desvario
E as desveladas mãos,
as mãos multiplicantes que encardume,
acompanham o meu nadar sombrio.
Amo-te o colo pleno, onda de pluma e âmbar,
Onda lenta e sozinha onde se exaure o mar
E onde é bom mergulhar até romper meu
sangue E me afogar de amor e chorar,
e chorar.
Amo-te os grandes olhos sobre humanos nos quais mergulha a dor,
Sondo a escura voragem,
na ânsia de descobrir nos mais fundos arcanos,
Sob o oceano, oceanos,
e além,
a minha imagem.
Por isso,
isso e ainda mais que a poesia não ousa,
E, quando depois de muito mar,
de muito amor,
Emergindo de ti,
ah, que silêncio pousa,
Ah, que tristeza cai sobre o mergulhador.